A
Associação Caatinga realizou duas oficinas de boas práticas na cadeia produtiva
da carnaúba nas comunidades de Ibuaçu Velho e Ubatuba, em Granja, a cerca de
338 quilômetros de Fortaleza. As formações mobilizaram produtores e
trabalhadores rurais que atuam na extração da palmeira nativa, matéria-prima da
cera de carnaúba, uma das pautas agrícolas mais exportadas do estado. Ambas as
comunidades estão no entorno do Parque Estadual das Carnaúbas (PEC), Unidade de
Conservação de 10.005 hectares que abrange os municípios de Granja e Viçosa do
Ceará, sob a gestão da Secretaria do Meio Ambiente e Mudança do Clima (SEMA).
As
oficinas foram realizadas no âmbito do projeto “Caatinga Preservada”,
iniciativa que busca ampliar e qualificar a gestão de áreas legalmente
protegidas no bioma Caatinga no Ceará. A iniciativa é desenvolvida em parceria
com a SEMA e inclui a elaboração de um manual de boas práticas para a cadeia
produtiva da carnaúba na região. Além disso, o projeto contempla ações voltadas
à conservação do Parque Estadual das Carnaúbas, como a elaboração de um plano
de visitação e a instalação de placas informativas na Unidade de Conservação.
De
acordo com Nara Magalhães, gestora do Parque Estadual das Carnaúbas, as
oficinas realizadas nas comunidades do entorno da Unidade de Conservação
cumprem um papel estratégico ao fortalecer o extrativismo sustentável e
aproximar os trabalhadores das políticas públicas ambientais. “Estamos na
comunidade de Ibuaçu Velho realizando uma das oficinas para a elaboração do
Manual de Boas Práticas da cadeia da carnaúba, com a participação de
agricultores e extratores do pó cerífero. Além de orientar sobre o manejo da
palha e a segurança no trabalho, esse processo contribui para valorizar o
extrativismo e vai resultar em um material que será entregue à Secretaria do
Meio Ambiente e Mudança do Clima e às próprias comunidades”, destacou.
Durante
as formações, realizadas ao longo de um dia inteiro em cada localidade, os
participantes discutiram temas essenciais para o fortalecimento da atividade,
como políticas públicas de assistência social e de financiamento, técnicas de
rastreabilidade, uso adequado de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs),
características da trepadeira invasora conhecida como unha-do-diabo e sistemas
agroflorestais (SAFs) em áreas de carnaubais. Além disso, os trabalhadores
debateram sobre os desafios que ainda dificultam a rotina de quem atua na
cadeia da carnaúba.
Segundo
Cássia Pascoal, coordenadora de Relacionamento Comunitário e Educação Ambiental
da Associação Caatinga, as oficinas representam um avanço no diálogo com as
comunidades e na qualificação do trabalho realizado no campo. “Essas oficinas
têm o objetivo de qualificar o extrativismo da carnaúba e os produtos finais
obtidos a partir dessa atividade. Além disso, buscamos fortalecer a autonomia
das comunidades, ampliar o acesso à informação e aproximar essas pessoas das
políticas públicas que podem melhorar suas vidas.
Ibuaçu
Velho e Ubatuba estão inseridas em uma região marcada por extensos carnaubais
que sustentam parte da atividade produtiva local. Granja, inclusive, é
reconhecida como o maior produtor de cera e pó de carnaúba do País, o que
reforça a importância econômica dessas comunidades para a cadeia produtiva.
A voz
da comunidade
A
participação ativa dos moradores durante a formação evidenciou a importância da
troca de saberes e da valorização dos trabalhadores da base da cadeia
produtiva. Em Ubatuba, o agricultor Benedito Rocha enfatizou que ações como
essa evidenciam a importância dos trabalhadores que atuam nas etapas iniciais
da cadeia da carnaúba. “O pessoal veio aqui explicar como a gente deve
trabalhar e eu achei que a gente merece essas melhorias. Estou aqui desde manhã
cedo para participar da oficina e estou achando ‘joia’ porque essas informações
são muito importantes para nós”, afirmou.
Benedito
atua como aparador de palha, função que consiste em cortar as folhas que são
derrubadas das carnaúbas durante o processo de extração e organizá-las em
feixes, etapa fundamental para que o material siga para a secagem e,
posteriormente, para a produção do pó que dará origem à cera. Porém, apesar de
realizar uma função essencial e de conhecer o trabalho no campo, ele nunca viu
o beneficiamento final da palha.
“Eu
‘ajunto’ a palha e boto no feixe e depois jogo no lastro. Aí fazem lá o pó e eu
não sei nem para onde vai. Nunca vi a fábrica de cera. Me falaram que aqui em
Granja tem uma, mas eu nunca vi. Tenho vontade de ir lá alguma vez para
conhecer, para entender como um pó fino fica uma cera parecida com uma
rapadura”, relatou Benedito.
A
agricultora Alexandra Alves, de Ubatuba, que há dez anos trabalha na cadeia
produtiva da carnaúba, também aprovou a formação e destacou o sentimento de
inclusão. “Eu achei a oficina ótima. Era só eu de mulher na turma, era mais
homem, mas eu achei ótima. Trouxe coisas que eu ainda não sabia e aprendi aqui
hoje. Espero que outra vez tenha novas oficinas dessas. Falaram da trepadeira
unha-do-diabo e gostei de saber mais sobre esse tema”, comentou.
Após
os relatos de Benedito e Alexandra, a coordenadora Cássia Pascoal acrescentou
que as falas revelam necessidades que vêm sendo apontadas pelas próprias
comunidades. Ela explicou que, embora a Associação Caatinga desenvolva ações
voltadas à carnaúba desde 2016, “o Caatinga Preservada é um dos primeiros
projetos da instituição direcionado especificamente às comunidades carnaubeiras
do entorno do Parque Estadual das Carnaúbas, em Granja”.
Segundo
Cássia, o diagnóstico socioambiental, elaborado para o Manual de Boas Práticas,
foi realizado antes das formações para mapear os desafios das comunidades de
Granja. Ela destacou que o diagnóstico contribuiu para as oficinas, que
inauguraram um novo ciclo de trabalho nas localidades e vão subsidiar decisões
sobre futuras ações, incluindo demandas manifestadas pelos participantes, como
o desejo de conhecer o processo industrial e a necessidade de ampliar a
participação feminina.
Já na
comunidade de Ibuaçu Velho, o presidente da associação local, David Gomes,
também avaliou a formação como um avanço para o trabalho realizado no
município. Ele afirmou que a oficina reforçou práticas já conhecidas, mas
trouxe orientações que podem aprimorar a organização da produção.
“A
oficina de hoje foi de fundamental importância. A gente viu coisas que já
sabia, mas também aprendeu bastante coisa nova e quanto mais a gente entende o
processo, mais consegue melhorar a produção”, disse David. Ele destacou ainda
que a orientação sobre manejo fortalece a autonomia da comunidade. “É importante
que a gente mesmo tire o nosso carnaubal, porque essa renda fica aqui, com os
moradores”, finalizou.
O
Projeto Caatinga Preservada
As
oficinas integram apenas uma das ações do projeto “Caatinga Preservada:
ampliando e melhorando a gestão das UCs na Caatinga Cearense”, que é realizado
pela Secretaria do Meio Ambiente e Mudança do Clima (SEMA/CE) em parceria com a
Associação Caatinga e financiado pelo Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF)
no âmbito do Projeto Estratégias de Conservação, Restauração e Manejo para a
biodiversidade da Caatinga, Pampa e Pantanal (GEF Terrestre), que é coordenado
pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) e tem o Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID) como agência implementadora e o Fundo
Brasileiro para a Biodiversidade – FUNBIO como agência executora.
O
projeto tem como propósito ampliar e qualificar a gestão de áreas legalmente
protegidas no bioma Caatinga no Ceará, com foco nas regiões dos Sertões de
Canindé e Tejuçuoca, além das encostas da Ibiapaba nos municípios de Viçosa do
Ceará, Granja e Pacujá, que apresentam índices preocupantes de desmatamento
acumulado. Por isso, o projeto reúne ações que abrangem desde a criação de
novas Unidades de Conservação até a melhoria da gestão do Parque Estadual das
Carnaúbas, incluindo a elaboração de um plano de visitação, a instalação de
placas informativas e a produção de um manual de boas práticas para o manejo
florestal e para a extração de palha e de pó de carnaúba.
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