À
medida que o Brasil se prepara para sediar a COP30, em novembro, em Belém (PA),
o campo brasileiro busca se posicionar no debate sobre clima e
sustentabilidade. A agricultura familiar, que responde por cerca de 70% dos
alimentos que chegam à mesa da população, tem se tornado protagonista da
transição ecológica no país, aliando práticas sustentáveis, inovação social e
acesso ao microcrédito rural.
Nos
últimos anos, o agro brasileiro — da agricultura familiar aos grandes
produtores — passou a se enxergar como parte da solução para a crise climática.
Segundo representantes da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil
(CNA), o agro deve aproveitar a COP30 para mostrar que é possível produzir mais
com menos impacto ambiental, conciliando produtividade e preservação. Essa
visão é reforçada por especialistas e instituições de pesquisa, que defendem um
novo modelo de desenvolvimento rural baseado na agroecologia, na bioeconomia e
no fortalecimento da agricultura familiar.
Dados
do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) mostram que mais de R$ 1 bilhão
foram destinados recentemente à expansão do microcrédito rural, especialmente
nas regiões Norte e Centro-Oeste. O recurso tem sido essencial para que
pequenos produtores invistam em irrigação eficiente, compostagem, painéis
solares e recuperação de nascentes, práticas que reduzem custos e aumentam a
resiliência diante das mudanças climáticas. De acordo com o engenheiro agrônomo
André Marchetti, consultor técnico da Cactvs, instituição de pagamento
credenciada a operacionalizar o microcrédito rural da Caixa Econômica, “o
acesso ao financiamento simplificado tem permitido que agricultores familiares
façam a transição para sistemas produtivos mais limpos e rentáveis, fortalecendo
a segurança alimentar e a sustentabilidade local”.
O Pará
é o estado com maior número de contratos, totalizando 47% das operações,
seguido por Amazonas (23%), Acre (18%), Amapá (8%), Roraima (2,4%) e Tocantins
(2%).
A
importância dessas práticas é cada vez mais evidente. Um levantamento da Rede
CI Orgânicos mostra que o número de propriedades com produção orgânica cresceu
150% nos últimos 12 anos, enquanto dados da SuperHiper apontam que as vendas de
produtos orgânicos aumentaram 5,2% em 2024. Esses números refletem não apenas
uma mudança de comportamento do consumidor, mas também o avanço das políticas
de incentivo à agroecologia no campo.
Projetos
como os Quintais Produtivos, coordenados pela Fiocruz Brasília, mostram na
prática como sustentabilidade, renda e saúde podem caminhar juntas. A
iniciativa beneficia 480 agricultoras e agricultores familiares em 11 estados e
no Distrito Federal, promovendo o cultivo agroecológico de plantas medicinais e
alimentos em áreas de aproximadamente 2.500 m². O projeto une produção
orgânica, bioeconomia e fortalecimento da assistência farmacêutica, integrando
a agricultura familiar ao Sistema Único de Saúde (SUS). Segundo a Fiocruz, a
iniciativa tem gerado impacto direto na diversificação de renda, ampliação da
segurança alimentar e valorização do conhecimento tradicional.
Mesmo
com avanços expressivos, os desafios climáticos se intensificam. Em várias
regiões do Semiárido, o aumento da temperatura média e a irregularidade das
chuvas têm reduzido a produtividade de culturas tradicionais, como feijão e
milho, base da agricultura familiar. Estudo da Agência Pública mostra que a
perda de fertilidade dos solos e o desequilíbrio hídrico já comprometem a renda
de milhares de pequenos produtores.
Esse
cenário reforça a necessidade de políticas integradas de mitigação e adaptação,
capazes de garantir crédito produtivo orientado, capacitação técnica e
infraestrutura para a produção sustentável. O fortalecimento de programas de
microcrédito rural e assistência técnica é essencial para que o agricultor
familiar possa investir em irrigação eficiente, recuperação de nascentes e
manejo agroecológico do solo.
Para o
André Marchetti, o Brasil vive um momento decisivo. “O país tem condições
únicas de liderar a agricultura sustentável no mundo tropical. Temos
biodiversidade, conhecimento técnico e uma agricultura familiar que já pratica
o equilíbrio entre produção e preservação. O desafio agora é ampliar o acesso a
crédito, assistência e tecnologia para que esse modelo se torne dominante”,
avalia. Segundo ele, o sucesso desta transição depende de políticas integradas
que combinem financiamento, educação ambiental e valorização das práticas
tradicionais do campo.
As
experiências locais de cooperativas agroecológicas têm mostrado que o acesso a
recursos financeiros, quando aliado à assistência técnica e à educação
ambiental, pode transformar a realidade do campo. De forma silenciosa, milhares
de famílias rurais estão modernizando suas propriedades, diversificando
culturas e se tornando agentes da sustentabilidade.
Com a
COP30 se aproximando, o Brasil chega ao centro das discussões climáticas com um
diferencial: uma base produtiva diversificada, conectada às comunidades e
guiada por práticas sustentáveis. No campo, a agricultura familiar segue
mostrando que é possível equilibrar produtividade e preservação, plantando,
literalmente, o futuro que se quer colher.

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