Após
sete décadas vivendo sem registro civil, uma idosa cearense finalmente recebeu
sua primeira certidão de nascimento, um marco que simboliza o reconhecimento de
sua existência perante o Estado e o acesso a direitos fundamentais. A decisão,
proferida pela magistrada Maria Valdileny Sombra Franklin, destaca o papel
essencial do Poder Judiciário na promoção da dignidade humana e da cidadania.
O
caso, originado em Caucaia, Região Metropolitana de Fortaleza, foi conduzido a
partir de ação judicial movida pela Defensoria Pública do Ceará para lavratura
tardia do registro de nascimento.
A
audiência que decidiu seu destino, designada poucos dias após a propositura da
ação, tocou profundamente a todos os envolvidos: a Juíza que presidiu o ato, as
servidoras e servidores que a atenderam, a Defensora Pública que lutou por ela,
a Promotora de Justiça que reconheceu a legitimidade do pedido, e a senhora
Cláudia Maria que se solidarizou com a senhora Conceição e a acompanhou nos
órgãos públicos.
Em
agosto deste ano, a idosa recebeu a tão esperada certidão de nascimento. O nome
e a data escolhidos por ela simbolizam um novo começo. Em outubro, ela também
obteve sua primeira carteira de identidade com CPF, emitida em parceria com o
Centro de Referência de Assistência Social (CRAS).
“O
registro civil funciona como a “chave mestra” das portas da vida pública. Sem
ele, a pessoa existe fisicamente, mas o Estado não a enxerga. É como viver
atrás de um vidro fosco: você está ali, mas ninguém consegue te reconhecer por
completo. Trabalhos como essa audiência de justificação são importantes porque
resgatam a dignidade, reparam injustiças históricas e fortalecem a cidadania.
No caso da senhora Conceição, o trabalho conjunto do Poder Judiciário, da
Defensoria Pública e do Ministério Público funcionou como um “farol social”,
alcançando quem ficou para trás. Foi a devolução de um lugar no mundo,
compartilhada e sentida por todos na sala de audiência”, comenta a magistrada
Valdileny Franklin.
“Eu
nunca tive direito a nada. A partir de hoje, que eu nasci novamente, vou tocar
a minha vida pra frente. Agora eu já tenho o que eu não tinha pra trás: meu
documento. Agora eu posso tudo”, disse emocionada a senhora Conceição após a
entrega do registro.
De
acordo com dados do IBGE, cerca de 3,8% dos cearenses ainda não possuem
registro civil, o que impede o acesso a serviços básicos como saúde, educação e
benefícios sociais. Casos como o da senhora Conceição reforçam a importância da
atuação conjunta entre o Judiciário, a Defensoria Pública e os órgãos de
assistência social na erradicação do sub-registro no estado.
A
magistrada Valdileny Franklin explica ainda que, por não possuir qualquer
registro anterior ou informações sobre sua origem, a senhora Conceição precisou
recorrer à Ação de Justificação de Nascimento, um procedimento judicial que
permite reconstruir a história de pessoas sem documentação.
A
Defensoria Pública ajuizou a ação, reuniu provas e acompanhou o caso com
sensibilidade; testemunhas confirmaram sua existência e convivência na
comunidade; a perícia oficial verificou a ausência de registros e a
compatibilidade da idade; e, em audiência, a juíza ouviu as testemunhas e
avaliou a história de vida da autora. Com parecer favorável do Ministério
Público, a juíza autorizou o registro civil, incluindo o nome e a data de
nascimento escolhidos por Conceição em homenagem à sua devoção religiosa.
Assim, sua certidão de nascimento simbolizou um renascimento: o reconhecimento
oficial de sua existência e dignidade.
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