No
último dia 14 de abril, quatro filhotes de periquito cara-suja (Pyrrhura
griseipectus) nasceram na Reserva Natural Serra das Almas (RNSA), na região da
Serra da Ibiapaba, marcando um avanço histórico no processo de reintrodução da
espécie, considerada uma das aves mais ameaçadas da Caatinga. Essa é a primeira
reprodução registrada da espécie na região em mais de um século — um feito
inédito em 114 anos.
Desde
o nascimento, os filhotes e seus pais permanecem no recinto de aclimatação da
RNSA, que é gerida pela Associação Caatinga, sob monitoramento constante.
Acompanhamentos semanais são realizados para avaliar o desenvolvimento dos
filhotes, com especial atenção à nutrição fornecida pelos pais, essencial para
garantir um crescimento saudável e prepará-los para uma futura vida livre. O
monitoramento inclui avaliação do score corporal, ganho de peso, anilhamento e
coleta de DNA para controle genético da população.
"Ainda
não é possível determinar com precisão a data em que os filhotes deixarão a
área de aclimatação. Esse processo depende tanto do desenvolvimento físico
quanto do aspecto comportamental, especialmente da percepção de segurança por
parte dos animais. A liberação ocorrerá quando for avaliado que estão
plenamente aptos para a vida em ambiente natural, momento em que as portas
serão abertas, permitindo que saiam por iniciativa própria, conforme sua
confiança e segurança”, destaca Gilson Miranda, gestor da Reserva Natural Serra
das Almas.
A
reprodução bem-sucedida reforça o potencial de adaptação do periquito cara-suja
ao novo ambiente e representa um passo importante no projeto de reintrodução de
aves nativas ameaçadas de extinção no Ceará, o Refaunar. A iniciativa é uma
parceria entre a Associação Caatinga, o Parque Arvorar (novo parque do Beach
Park) e a Associação de Pesquisa e Preservação de Ecossistemas Aquáticos
(Aquasis).
Leanne
Soares, gerente do Parque Arvorar, destaca que cada etapa do projeto é
conduzida com rigor técnico e sensibilidade, aumentando as chances de sucesso
no processo de reintrodução. “A mãe desses filhotes foi acolhida no Parque
Arvorar, onde passou por todos os protocolos veterinários e exames necessários.
Após a avaliação clínica e comportamental da nossa equipe técnica confirmar que
ela estava saudável e apta, comunicamos imediatamente os órgãos competentes,
que definiram sua destinação. Juntamente com outras duas aves recebidas, ela
foi integrada ao Projeto Refaunar Arvorar. Com a devida autorização dos órgãos
ambientais, foi transferida para a Serra das Almas, onde se reproduziu”, relata
Leanne Soares.
O
periquito cara-suja havia sido completamente extinto em algumas regiões do
Nordeste nos últimos 50 anos e, até 2017, estava classificado como
“criticamente em perigo” (CR) na Lista Nacional de Espécies Ameaçadas de
Extinção. Atualmente, boa parte das
áreas onde o cara-suja já ocorreu não apresenta mais ambiente adequado para o
seu desenvolvimento. “Essa ave é uma espécie símbolo da biodiversidade do
semiárido e sua conservação é fundamental para o equilíbrio ecológico da
Caatinga. Cada indivíduo reintroduzido representa um avanço significativo na
recuperação dessa espécie ameaçada e reforça a importância de ações integradas
entre centros de reabilitação e unidades de conservação”, enfatiza Fábio Nunes,
gerente do Projeto Cara-suja, da Aquasis
Cara-suja
e a Reserva Natural Serra das Almas
A
jornada dos periquitos cara-suja na Reserva Natural Serra das Almas começou em
junho de 2024, com a chegada de 19 indivíduos translocados da Serra de Baturité
por meio do projeto Refaunar. Em novembro, o grupo foi reforçado com mais 10
periquitos e três aves resgatadas pelo Ibama-CE. Após um rigoroso processo de
aclimatação, 18 aves já foram reintroduzidas à natureza, demonstrando sinais
promissores de adaptação: utilizam caixas-ninho, alimentam-se de forma autônoma
e ainda retornam aos comedouros de suplementação.
Com
6.285 hectares protegidos, a RNSA abriga a maior Reserva Particular do
Patrimônio Natural (RPPN) do Ceará, um verdadeiro refúgio para a rica
biodiversidade da Caatinga. Espécies ameaçadas de extinção, como o tatu-bola,
encontram ali um habitat seguro e preservado.
Além
de conservar a fauna e a flora nativas, a RNSA presta importantes serviços
ecossistêmicos, como o impedimento do escoamento de aproximadamente 4,7 bilhões
de litros de água por ano e o armazenamento de mais de 1,6 milhão de toneladas
de CO₂ equivalente — contribuindo
significativamente para o combate às mudanças climáticas.
Reconhecida
pela Unesco como Posto Avançado da Reserva da Biosfera da Caatinga, a Serra das
Almas alia conservação ambiental, pesquisa científica, ecoturismo e desenvolvimento
sustentável. Cerca de 40 comunidades do entorno participam de iniciativas
socioambientais que promovem geração de renda e estratégias de convivência com
o semiárido, dentro do Modelo Integrado de Preservação da Caatinga.
A
estrutura da reserva inclui trilhas ecológicas, alojamentos, viveiros,
meliponário, torre de observação e exposições educativas. Aberta à visitação
mediante agendamento, a RNSA se consolida como um santuário natural e um
exemplo inspirador de como a conservação ambiental pode transformar realidades.
Sobre
a Associação Caatinga
A
Associação Caatinga é uma organização da sociedade civil, sem fins lucrativos,
cuja missão é conservar a Caatinga, difundir suas riquezas e inspirar as
pessoas a cuidar da natureza. Desde 1998, atua na proteção da Caatinga e no
fomento ao desenvolvimento local sustentável, incrementando a resiliência de
comunidades rurais à semiaridez e aos efeitos do aquecimento global.
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